• MUNDO RUDE
  • Exposiçao Individual, Desenho+Fotografia | Sao Paulo - SP| 2018

 

  • Há, entre dois pólos que se opõem, um fio que ao mesmo tempo em que os separa, os une.

     

    Quando olho as fotografias e os desenhos do Alexandre Furcolin, acredito estar vendo o trabalho de dois artistas absolutamente diferentes, de naturezas antagônicas. Dividindo por pouco mais de um ano o atelier com ele, volta e meia me pego à procura de um nexo entre essas duas frentes de trabalho, de um tal fio que una lá e cá, da conciliação do pensamento do artista que fotografa com o que desenha.

     

    Creio que não haveria necessidade de arte se nos satisfizéssemos com os nexos que experimentamos corriqueiramente. E portanto creio que a forma artística reside na construção desse outro complexo de relações que remete ao mundo que conhecemos, ainda que lhe voltemos as costas.

     

    No território da pura vontade, essa força que nos move a fazer o que fazemos apesar das aparências, além das fronteiras e assimilando a contradição das nossas forças, talvez, oposições dessa natureza sejam apenas ilusões.

     

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    Embora reconheçamos com certa facilidade algumas formas da Natureza claras e bem estabelecidas, como a pedra, a asa do pássaro, a sinuosidade do rio, há aquelas que não se compreendem assim. São o avalanche, o dilúvio, os estágios pré-matéria, estágios de formação e deformação, estágios entre estados de matéria, a espuma, a lava, a névoa.

     

    As imagens do cinema de Andrei Tarkovsky nos mostram um aspecto da humanidade insistentemente vencido por estas forças sem forma da natureza; uma casa tomada pela relva, um telhado arrancado pelo vento, metais carcomidos pela ferrugem; o limo, a hera e a neblina, engolem paisagens inteiras.

     

    A passagem do tempo é severa e vela cada ação, cada gesto humano, seja um aceno que no instante seguinte deixou de sê-lo, seja uma edificação que se torna ruína, e da ruína se torna pó. Nossa presença física no mundo parece ser reduzida a vestígios, invariavelmente abafada por força e mistério.

     

    Acredito que haja uma inclinação para essa rudeza do mundo nos instantes captados nas fotografias do Alexandre.

     

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    Penso na natureza primeira do desenho… um traço que divide este lado de cá do lado de lá, ou ainda, uma inscrição que talhada num tronco atesta "ESTIVE AQUI".

     

    Cada um dos 34 desenhos da exposição Mundo Rude é um desses pequenos atestados de presença, embora a maioria deles, grupos de 12 a 20 foram realizados de um só fôlego em sessões de 1 a 3 horas, buscando enquanto grupo certo sentido de unidade. Juntos, mostram um conjunto de forças que não são visíveis em suas fotografias, embora eu desconfie que se insinuem ali em alguns momentos.

     

    Acredito que uma das funções da arte, em especial do desenho, é tornar visíveis forças que são invisíveis. Digo isso pela intimidade que o ato de desenhar guarda com o livre pensar, e como a mão é capaz de reagir imediatamente ao estímulo de uma idéia, ainda que seja uma idéia não formulada, uma idéia sem borda, sem contorno, uma idéia sem limite.

     

    A fotografia dá conta daquilo que some, e o desenho parece querer mostrar.

     

    Renato Rios, dezembro de 2017;